Haicais variados
Na noite em silêncio
o relógio presente
marca o passado
Um homem caminha
cabisbaixo e só,
perdeu o que não tinha
Torre de cimento
cravada a pino
na beira do cais
Oh minha cidade
quem te fere
e a tal se atreve?
Voou para o sul
– estações mudadas,
perdeu o norte
Meu chapéu de palha
fugindo no ar
é sol pequenino
Como as gotas
da torneira, meus dias
caem perdidos
O sol da tarde
faz sombras longilíneas
à El Greco
Meus dias são cheios
de horas de espera
– cesta vazia
Seus dedos ágeis
correndo o teclado
enchem o ar de sons
Pela calçada
uma sombra desliza
surda e só
Malas na mão
finda a viagem
procura o coração
Só, na cadeira
ela balança
e o tempo vai e vem
Cidade velha
há olhares como punhais
escondidos
Nas ruas estreitas
cheiros e conversas
saltam janelas
Num sono breve
a mulher sonha leve
sem do chão sair
Um pensamento
passou rápido por mim
nem o vi fugir
Noite a dentro
se alonga plangente
voz de fadista
Casas brancas
janelas de guilhotina
cheiros antigos
Rente à muralha
entre proteção e prisão
– as casas
Foto a sépia
passado e futuro
sem distâncias
Cravos de Abril
como areia entre dedos
sumiram
No forno
a peça inacabada
brilha em brasa
Linhas na neve
seguem entrelaçadas,
momentos breves
No trem a mulher
sentada em frente
viaja ausente
Na vila
a calçada imita ondas,
é mar em terra
E lentamente
o tempo escreveu dor
pelo seu rosto
Na casa, janelas-olhos
para além de mim
aguardam
Olhar errante
entre hoje-amanhã
de mim distante
Casa desfeita
perdida em lembranças
sou só pedaços
Palavras leves
o eco as repete
vão soltas no ar
O amolador
anda e vai tocando
chama a chuva
De pincel na mão
frente à branca tela
luta consigo
Tuas palavras
qual cartas de baralho
formam jogadas
De olhar triste
na colheita perdida
senta-se vazio
Café na mesa
e cheiro a pão quente
– quase sou feliz
Sapatos gastos
rosto sem esperança
carrega a vida
Estalactites
escorrem dos telhados,
chegou o Natal
À volta do templo
as colunas cantam
eternidade
Entre reflexos
e a realidade
fica o sonho
Assim se recolhe
o que a todos acolhe
sorrindo
Ano novo
cores correm no céu
esperanças no olhar
Do alto monte
cantamos e bebemos
ao Ano Novo
O sol poente
pinta de vermelho
a velha cidade
Em silêncio
percorro caminhos
cheios de vazio
Muro de pedra
não chega para prender
a liberdade
Pena, pedra,
penhasco habitado
por um sonho de rei
Saudade
rio que corre, doi, corroi
e não chega ao mar.
Como vinho doce
um vento morno
correu a cidade
Vindo de longe
chegou em luto vestido
um som plangente
Um só grito
e depois silêncio.
Assim partiste
Cortando o ar
teu grito como punhal
Oh Liberdade
Palavras caem
com a terra e flores.
Adeus amigo
Dunas caminham
no sopro do vento
corpos de areia
Fotos antigas
quase esquecidas
pedaços de vidas
A bola foge
dum pé para o outro
sem ter descanso
Triste eu olho
os olhos do passado
que olham sem ver
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